ANNE Frank pertencia a uma
família judaica de Frankfort que, em 1933, fugindo às perseguições do regime
hitleriano, se refugiou na Holanda, onde supunhava encontrar a paz e a
segurança. Mas, logo depois da invasão da Holanda pelos alemães, as perseguições
aos judeus continuaram por razões políticas ou por discriminações raciais que passavam
a ter uma existência ilegal ou clandestina. Durante dois anos, que abrangem o período
de guerra de 1942 a 1944, viveu em constante ameaça sem poderem sair à rua vivendo
sob a constante ameaça de serem descobertos pela polícia. Ela inscreve em seus escritos tudo o que
se passa no cotidiano dos fugitivos, inclusive sua notória predileção pelo pai,
que considerava amoroso e nobre, ao contrário da mãe, com quem a menina estava
sempre em confronto.
Comentário
acrescentado por Anne em setembro de 1942:
Papai
é sempre tão bom! Ele me entende perfeitamente, e eu gostaria que algum dia
pudéssemos falar de coração para coração sem que eu caia logo no choro. Mas
acho que isso tem a ver com minha idade. Eu gostaria de passar todo o tempo
escrevendo, mas isso provavelmente acabaria sendo monótono.
Até
agora só contei meus pensamentos ao meu diário. Ainda não consegui escrever
esquetes engraçados que mais tarde pudesse ler em voz alta. No futuro, vou
dedicar menos tempo ao sentimentalismo e mais tempo à realidade.
Aprendi uma coisa: você só
conhece uma pessoa depois de uma briga. Só então, é possível julgar seu
caráter.
Sábado, 15 de julho de 1944.
Querida Kitty,
Recebemos da biblioteca um
livro com o título polêmico: O que você acha da jovem moderna? Gostaria de
tratar desse assunto hoje.
A escritora critica a “juventude atual” da
cabeça aos pés, ainda que não condene todos “ casos sem esperança”. Pelo
contrário, ela acredita que os jovens têm o poder de construir um mundo maior,
melhor e mais belo, mas que se ocupam com coisas superficiais, sem pensar na
beleza verdadeira.
Em algumas passagens, tive a sensação de que
ela dirigia sua crítica a mim, e é por isso que finalmente quero desnudar minha
alma para você e me defender dessa agressão.
Tenho uma característica notável
que pode ser óbvia para qualquer pessoa que conviva comigo há algum tempo: eu
me conheço bastante. Em tudo o que faço, posso me ver como se fosse uma
estranha. Posso me afastar da Anne de todos os dias e, sem preconceitos ou sem
me desculpar, ver o que ela está fazendo, tanto as coisas boas quanto as ruins.Essa
autoconsciência nunca me abandona, e, sempre que abro a boca, penso: “Você
deveria ter dito isso de um modo diferente”, ou “Está ótimo assim”. Eu me
condeno de tantas maneiras que estou começando a perceber a verdade no ditado
de papai: “Todo filho tem de se criar.” Os pais só podem aconselhar os filhos
ou apontar a direção certa. Em última
análise, a própria pessoa forma seu caráter. Além disso, enfrento a vida com
uma reserva extraordinária de coragem. Sinto-me forte e capaz de suportar
fardos, jovem e livre! Quando percebi isso pela primeira vez, fiquei
satisfeita, porque significa que posso enfrentar com mais facilidade os golpes
da vida.
“Bem no fundo, os jovens são
mais solitários do que os adultos.” Li isso em algum livro, e ficou na minha
mente. Pelo que posso dizer, é verdade.
Então, se você está se
perguntando se ficar aqui é mais difícil para os adultos do que para os jovens,
a resposta é não, com certeza. Os mais velhos têm opinião formada sobre tudo,
são seguros de si e de seus atos. Para nós, jovens, é duas vezes mais difícil sustentar
nossas opiniões numa época em que os idéias são estilhaçados e destruídos, quando o pior
lado da natureza humana predomina, quando todo mundo duvida da verdade, da
justiça e de Deus.
Qualquer pessoa que afirme
que os mais velhos passam por maiores dificuldades no Anexo não percebe que o
problema tem um impacto muito maior sobre nós. Somos muito jovens para
enfrentar esses problemas, mas eles vivem nos afligindo até que, finalmente,
somos forçados a imaginar uma solução, embora na maior parte das vezes nossas
soluções desmoronem diante dos fatos.Numa
época assim fica tudo difícil; idéias, sonhos e esperanças crescem em nós, e
depois são esmagados pela dura realidade. É incrível que eu não tenha
abandonado todos os meus ideiais já que parecem tão absurdo e pouco práticos. Mas
me agarro a eles porque ainda acredito, a despeito de tudo, que no fundo as
pessoas são boas.
Para mim, é praticamente impossível
construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo
o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima e
que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo
assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor,
que a crueldade também terminará, que a paz e a tranqüilidade voltarão. Enquanto
isso devo me agarrar aos meus ideias. Talvez chegue o dia em que eu possa
realizá-los!
Eu me perguntei várias vezes
se não teria sido melhor não termos nos escondido, se estivéssemos mortos agora
e não tivéssemos de passar por toda essa desgraça, especialmente para que os
outros fossem poupados desse fardo. Mas nos encolhemos só de pensar. Ainda
amamos a vida, ainda não esquecemos a voz da natureza e continuamos com
esperança de...tudo.
Que aconteça alguma coisa
logo, até mesmo um ataque aéreo! Nada pode ser mais esmagador do que essa
ansiedade. Que chegue o fim, mesmo sendo cruel; pelo menos saberemos se vamos
ser vencedores ou vencidos.
Eu costumo me sentir mal,
mas nunca me desespero. Vejo nossa vida no esconderijo como uma aventura
interessante, cheia de perigo e romance, e cada privação é algo divertido a
acrescentar no diário. Decidi levar uma vida diferente da de outras garotas, e
não me tornar mais tarde uma dona de casa comum. O que estou vivenciando aqui é
um bom início para uma vida interessante, e este é o motivo – o único – para eu
rir do lado engraçado dos momentos perigosos.
Sou jovem e tenho muitas
qualidades ocultas; sou jovem, forte e vivo uma grande aventura; estou no meio
dela e não posso passar o dia inteiro reclamando porque é impossível me
divertir! Sou abençoada com tantas coisas: felicidade, alegria e força. A cada
dia me sinto amadurecendo, sinto a liberdade das pessoas ao redor. A cada dia
penso em como essa aventura é fascinante e divertida! Com tudo isso, por que
deveria me desesperar? Anne Frank.
Estou cada vez mais
independente de meus pais. Mesmo sendo jovem, enfrento a vida com mais coragem
e tenho um sentimento de justiça melhor e mais verdadeiro do que o de mamãe.
Sei o que quero, tenho um objetivo, tenho opiniões, uma religião e amor. Se ao
menos eu pudesse ser eu mesma, ficaria satisfeita. Sei que sou uma mulher, uma
mulher com força interior e muita coragem!
Se Deus me deixar viver, vou
realizar mais do que mamãe jamais realizou, vou fazer com que minha voz seja
ouvida, vou para o mundo e trabalharei em prol da humanidade! Agora sei que
primeiro é preciso coragem e felicidade! Sua Anne M. Frank.
Anne
morreu em pleno campo de concentração, em Bergen-Belsen, em fevereiro de 1945.O
diário original está preservado no Instituto Holandês para a Documentação da
Guerra. Os direitos autorais da obra de Anne estão reservados ao Museu Anne
Frank, localizado na Suíça. Seu pai Otto Frank empenhou-se o resto da sua vida
no combate à discriminação e aos preconceitos. Ele teve um papel ativo na
abertura do esconderijo como museu em 1960. Ele respondeu a milhares de cartas
de pessoas que tinham lido o diário de Anne Frank. Faleceu em 1980.
O
que passou, já não podemos mudar. A única coisa que podemos fazer é aprender
com o passado e compreender o que significa a discriminação e a perseguição de
gente inocente. A minha opinião é que todos temos a obrigação de combater os
preconceitos. (Otto Frank
Todas as pessoas têm um
número de direitos fundamentais, tais como a liberdade de expressão, a liberdade
de religião e o direito a não ser discriminado.
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