Quando falamos sobre dificuldade
de aprendizagem, estamos falando, principalmente, do ato de aprender. Aprender
é uma ação que supõe dificuldade; quando não se sabe, sendo o não saber
condição necessária para aprender, é esperado que as dificuldades apareçam.
Temos,portanto, dificuldades que nos desequilibram e na busca do equilíbrio,
aprendemos. O fato de estarmos mergulhados num mundo de consumo, que apregoa a
perfeição, de termos pressa para tudo, de acreditarmos que as pessoas devem ser
regidas pelos prazeres, de acharmos que tudo que não acontece como esperamos é
doença, de termos sempre um remédio para os males existentes faz com que
acreditemos que ter dificuldades para aprender é algo inconcebível.
Queremos chagar a tal grau de
perfeição que pensamos que ter dificuldade é ruim, que nos faz diferentes dos
outros, que nos afasta dos anormais e que nos faz acreditar que somos
menos.Esquecemos que é a dificuldade que nos faz crescer, que nos obriga a
pensar, que nos estimula a buscar alternativas e a encontrar soluções para os
problemas que a vida nos impõe.
Atualmente, temos percebido dois
movimentos decorrentes das dificuldades para aprender: um deles que protege
demais o sujeito que vive a dificuldade e outro que o exclui completamente das
rodas consideradas normais. Tanto um quanto outro apresentam resultados muito
semelhantes: o primeiro não acredita que o sujeito possa desenvolver suas
possibilidades e, por isso, protege-o
para evitar embates nos quais o sujeito possa se dar conta de que não sabe; o
segundo afasta o sujeito por acreditar que ele não será capaz de acompanhar
seus colegas, anunciando que ele não sabe e nem tem chance de saber.
Protegendo ou atacando, incluindo
ou excluindo, temos mandado a mensagem de que o aprendiz que apresenta
dificuldades com a aprendizagem, ou dificuldades para aprender, ou ainda
dificuldades de aprendizagem, tem poucas chances neste mundo do instantâneo ,consumista,
individualista, que cultua a perfeição. Por que será tão difícil admitirmos
algo que faz parte do desenvolvimento humano: a dificuldade?
Temos lidado com o ser humano de
tal forma que ele tem ficado escondido atrás de suas dificuldades. Ouvimos as
pessoas referindo-se a outras pessoas: “O
sujeito é disléxico”,” meu filho é hiperativo”, “ Minha filha é distraída”, “Meu
aluno é inibido” e assim por diante.
Penso que as pessoas não são as
suas dificuldades. Penso que as pessoas possuem dificuldades, apresentam
dificuldades, mostram dificuldades, mas não precisam carregar um fardo de aparecerem
ser o que não são. Uma criança que não sabe ler não é a sua dificuldade para
ler, e sim possui dificuldades de linguagem que podem ser passageiras ou não,
mas que podem ser trabalhadas na direção da mudança, ao passo que ser disléxico
resulta em um título difícil de ser modificado. É como se a pessoa não tivesse
a chance de, mesmo apresentando um quadro de dificuldades de linguagem, superar
obstáculos e tornar-se um escritor, por exemplo. O mesmo que acontece com
outros quadros, e percebo que, quando umas criança recebe um “título”, mesmo
que ela esteja superando-o, a escola quando se refere a ela, em outros momentos
históricos, lembrando que um dia ela distraiu-se, um dia ela bateu em um amigo,
um dia ela agitou-se...
Na minha experiência, tenho
percebido que, anos mais tarde, algumas escolas ainda lembra o motivo que fez
com que elas pedissem o atendimento psicopedagógico para uma determinada
criança, como se o fato tivesse acontecido no dia anterior, independente da permanência
do sintoma inicial.
As vezes, surpreendo-me dizendo: “Mas
ele ainda faz isto?” E somente aí a professora dá-se conta de que ela está
falando de um menino real, não daquele que está estigmatizado em sua mente. O
mesmo acontece com os pais. Por mais controlado que possa estar o quadro,
muitas vezes os pais temem se decepcionar e, por isso, ficam sempre esperando o
surto ou qualquer que seja o aspecto que considerem negativo e acreditam possa
aparecer no comportamento do filho.
Se conseguirmos considerar a dificuldade
como parte integrante da aprendizagem, será muito mais fácil lidarmos com ela.
Independente se a pessoa apresenta um quadro de dificuldade orgânica,
emocional, social, patológico ou não, a dificuldade deve ser encarada como
elemento próprio do desenvolvimento daquele sujeito.
Todos poderemos aprender, apesar
de nossas dificuldades; sem elas, certamente não cresceríamos.Uma criança de
dez anos, por exemplo, que não está alfabetizada, apresenta esse dado que
precisa ser enfrentado em seu processo de aprender. De nada adianta
considerarmos sua dificuldade de leitura como uma entidade à parte, pois isso
torna sua aprendizagem mais difícil e mais inatingível.
Hoje, conversava com uma criança
de seis anos que me dizia: “Eu não sei ler e nem escrever, por isso você nunca
pode me pedir que faça isso”. Nessa frase, a criança diz que ela colocou sua dificuldade
em outro plano, no qual ela acredita que nunca será mexida. Como essa criança
poderá aprender se ela acredita que nunca aprenderá; se a professora acredita
que ela não consegue aprender; se a mãe acredita que ela precisa é ser feliz e,
se não aprender, não tem importância? Se, ao menos, alguém acreditasse nas suas
possibilidades, no tempo que é necessário para que a alfabetização aconteça no
processo de maturação a partir da interação, no fato de que crianças de seis
anos, às vezes, não aprendem com seis anos, mas podem aprender com sete anos,
essa criança estaria protegida de um grande fardo chamado incapacidade.
Essas reflexões podem nos
auxiliar a encontrar um caminho para uma Educação para a Diversidade que
valorize os indivíduos, mas também considere o grupo, a coletividade. O
aprender acontece dentro de cada um de nós, mas é fruto da interação com o
espaço coletivo. Se todos aprendêssemos a conhecer nossas possibilidades e
nossas limitações, isso poderia nos aproximar muito mais da realidade, aquela
que supõe que, para aprender, é preciso não saber e que não saber, muitas
vezes, faz com que tenhamos dificuldades maiores ou menores, mas que tais
dificuldades, certamente, não somos nós.
(Laura Monte Serrat Barbosa) Pedagoga,
psicopedagoga, mestre em Educação.
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