quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Processo de Avaliação e Intervenção em Psicopedagogia



AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA.

Se nosso trabalho se desenvolve a partir do processo de aprendizagem e todos os seus determinantes, chegamos, enfim, em um ponto importantíssimo para nossa prática psicopedagógica que é a investigação de porque uma criança, um adolescente não está aprendendo dentro dos padrões estabelecidos pela escola, pela família e até mesmo pela sociedade.
Investigar, no sentido aqui empregado, diz respeito à avaliação que o psicopedagogo deve desenvolver no intuito de penetrar nas razões que impedem um sujeito de aprender. Portanto, avaliação= investigação.
Partiremos da queixa. Mas que é uma queixa? A queixa se constitui de uma reclamação, de um sintoma, de algo que não vai bem com o sujeito, neste caso, com seu processo de aprendizagem. Essa queixa deve ser investigada pelo Psicopedagogo com intuito de esclarecer o por quer da não aprendizagem, o motivo da reclamação – seja da família, da escola e até mesmo do próprio sujeito.
Ressaltamos, então, que o psicopedagogo precisa “ouvir” esta queixa, analisá-la, interpretá-la e, assim, seguir no seu processo de investigação/avaliação.
Vemos que é comum comentários do tipo: “Não sei o que fazer com este aluno, eu explico, explico e ele não assimila nada”. “Este aluno não presta atenção na aula, só vai bem  em português”. “Este aluno não vai bem na escola e a família não ajuda em nada”.
Acho que conseguiríamos listar, facilmente, uma infinidade de queixas apresentadas pelos professores acerca de seus alunos. E quanto a família? Bem, a família também reclama. É comum encontrar famílias que procuram o psicopedagogo porque acreditam que seu filho precisa de ajuda de um profissional. Portanto, a família também tem um posicionamento, uma visão a respeito da não aprendizagem do filho. Além disso, cabe ao Psicopedagogo ouvir o sujeito, ou seja, qual a queixa que o sujeito faz de si mesmo? E nesse caso, destacamos que é comum o sujeito argumentar que: “não consigo aprender, acho que não sou capaz”; “não consigo entender o que o professor fala”; “sou relaxado, não presto atenção na aula”. Lembre-se que esta “escuta é muito importante uma vez que sua investigação tem como ponto de partida a queixa apresentada pela escola, pela família e pelo sujeito.
O conceito e a aplicação dos instrumentos de avaliação mais utilizados no contexto psicopedagógico clínico. Vale salientar que não existe um modelo pronto e acabado de avaliação psicopedagógica. Não há como dizer a você que basta aplicar estes ou aqueles instrumentos e pronto-descobriu-se e resolveu-se a dificuldade de aprendizagem do sujeito. Que bom se assim fosse!
Apresentaremos alguns instrumentos formais que são utilizados em sessões diagnósticas, mas, desde já, destacando que estes são apenas referenciais. Lembre-se que cada caso é um caso em particular. O que pode dar certo com um sujeito, pode não surtir o mesmo efeito com outro.
O que você não pode perder de vista é que seu sujeito é acima de tudo:
-Cognitivo;
-Afetivo;
-Social;
-Pedagógico;
-Corporal.
O que queremos dizer com isto? Que o sujeito faz parte de um todo e não podemos identificá-lo por partes. Este é o olhar que você precisa ter ao aplicar um instrumento de avaliação. Faz-se necessário perceber que o sujeito que está a sua frente possui conhecimentos, afetos, se relaciona com os outros, faz parte de um contexto escolar, se organiza de uma determinada maneira. Enfim, este é o sujeito que o psicopedagogo precisa perceber.
Para tanto, há instrumentos formais, porém, ouse a ser criativo, pesquise e vá além dos que aqui iremos trabalhar. Vamos, então, conhecer alguns instrumentos de avaliação que o psicopedagogo pode utilizar durante as sessões, diagnósticas?
- Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem – E.O.C.A.
- Sessão Lúdica ou Observação Lúdica;
- Provas Operatórias;
- Provas Projetivas Psicopedagógicas;
- Provas Pedagógicas;
- Anamnese;
-Entrevista com a Escola
- Prova e Testes Complementares.
Antes de esclarecermos sobre cada um dos instrumentos de avaliação elencados, convém discutirmos um pouco sobre a postura do psicopedagogo quando da aplicação das provas e desenvolvimento das entrevistas.
- Controle sua ansiedade diante do sujeito. Fique calmo e comece a estabelecer um vínculo com ele. Isto é essencial para o desenvolvimento de sua avaliação diagnóstica.
- Evite usar expressões como: muito bem, parabéns, você está fazendo direitinho a tarefa. Essas expressões acabam por reforçar atitudes no sujeito. O que o sujeito pensará quando você não utilizar estas palavras? Cuidado até mesmo com sua entonação de voz.
- Evite fazer “caras e bocas”. Isto é, expressões faciais que denotam aprovação ou reprovação diante do sujeito. Ao olhar nossa expressão o sujeito perceberá se o que está fazendo está certo ou errado. O importante na avaliação psicopedagógica é o que o sujeito sabe fazer, o que ele pode e consegue executar, não o que queremos que ele faça. Tente, então, ficar com “cara de paisagem”. (Que tal treinar um pouquinho?).
- Seja verdadeiro, não invente desculpas e/ou histórias se o sujeito lhe fizer questões quanto ao trabalho que está sendo realizado. “Jogo aberto” nesse momento.
- Trabalhe com a ansiedade e angústias dos pais e da escola. Explique acerca do trabalho que vem realizando, mas não deixe que isto atrapalhe o desenvolvimento de suas atividades.
- Você pode optar por se sentar de frente ou ao lado do sujeito durante a aplicação das provas. Veja como fica melhor para você.
- Estude sobre o instrumento a ser aplicado.
- Atenção quanto ao vocabulário utilizado. Evite usar termos complexos, faça uso dos sinônimos.
- Você pode fazer anotações durante a aplicação das provas. Apenas não se desespere diante do sujeito como se quisesse anotar até mesmo sua respiração. Você também pode fazer uso do gravador, porém, desde que haja autorização do sujeito e isto não sirva como um inibidor.
- Escolha um ambiente tranquilo, calmo, sem interferência de outros. Escolha um local onde fique apenas você e o sujeito.
- Preste atenção em tudo. Qualquer comentário, qualquer conduta,qualquer produção do sujeito é importante para o diagnóstico psicopedagógico.
- Seja você e perceba que a sua frente existe um “ser humano”.
Entrevista Operativa centrada na Aprendizagem.
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem - E.O.C.A. foi elaborada por Jorge Visca (1987) com o intuito de “permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira espontânea, porém dirigida de forma experimental” O autor sugere que a E.O.C.A. seja desenvolvida como uma forma de primeiro contato com o sujeito, uma primeira entrevista. A proposta de atividade e também os materiais podem variar de acordo com o sujeito a ser avaliado. Use o bom senso.
Em geral, a lista de materiais durante a entrevista é composta de: folhas brancas, papel pautado, folhas coloridas, lápis preto novo sem ponta, apontador, régua, tesoura, cola, revistas e livros.
O procedimento consiste em apresentar os materiais ao sujeito e solicitar que este mostre o que sabe fazer, o que aprendeu, o que tem vontade de fazer. Para tanto, o psicopedagogo pode fazer uso de inúmeras consignas, tais como:
Aberta: Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer. Esse material é para você utilizar como quiser.
Fechada: Gostaria que você me mostrasse outra coisa que não seja...Me mostre algo diferente do que você já mostrou.
Direta: Gostaria que você me mostrasse algo de matemática, escrita, leitura etc.
Múltiplas: Você pode ler, escrever, pintar, desenhar, recortar etc.
Pesquisa: Para que serve isto,o que você fez, que horas são, que cor você está utilizando etc.
Durante a E.O.C.A. preste atenção no que o sujeito diz,no que o sujeito faz e na produção desenvolvida por ele. As atitudes, os conhecimentos que demonstra, enfim, atente-se aos aspectos relevantes e que possam requerer aprofundamento durante as próximas sessões. Ah! Não esqueça de fazer uso de suas anotações durante todo o processo de entrevista.
Visca (1987) propõe que a partir desta análise seja possível desenvolver o Primeiro Sistema de Hipóteses e assim dar continuidade ao processo diagnóstico uma vez que este estabele quais as linhas de investigação que o psicopedagogo deve investir seus esforços. Lembre-se que as hipóteses são levantadas de acordo com as observações e intervenções desenvolvidas durante a E.O.C.A.

SESSÃO LÚDICA OU OBSERVAÇÃO LÚDICA.
A sessão Lúdica ou Observação Lúdica, como o próprio nome já sugere, envolve o brincar, o lúdico no diagnóstico psicopedagógico. O brincar consiste em uma forma de expressão e, neste sentido, pode contribuir com o processo de avaliação diagnóstica, uma Vaz que ao brincar o sujeito revela pensamentos, ações, atitudes, e que talvez não pudessem ser observados em outras entrevistas.
Questões afetivas e sociais podem emergir na medida em que brincamos. Certa vez, em uma Sessão Lúdica, uma criança disse: “Eu vou brincar de uma coisa. Só que não vou brincar do que eu estou pensando, porque senão você (o psicopedagogo) vai descobrir coisas sobre mim”. Esse comentário nos mostra o quanto esse instrumento de avaliação pode nos auxiliar no diagnóstico psicopedagógico.
A Sessão Lúdica também pode ser utilizada como uma primeira forma de contato com o sujeito. Sua aplicação consiste em selecionar jogos e materiais lúdicos, de acordo com a faixa etária do sujeito, e solicitar que este brinque e faça aquilo que deseja.
Atenção com os materiais selecionados. Prefira coisas mais simples, mais baratas e menos sofisticadas. Exemplo de materiais: jogos comerciais (dominó, damas, memórias etc.), materiais de artes, sucata, fantoches, brinquedos de “casinha,” brinquedos de “escolinha” etc. Não esqueça da faixa etária a que se destina os materiais.
(Autora: Shiderlene Vieira de Almeida Lopes)











sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

REFLEXÕES SOBRE AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO MUNDO CONTEMPORÂNEO.



Quando falamos sobre dificuldade de aprendizagem, estamos falando, principalmente, do ato de aprender. Aprender é uma ação que supõe dificuldade; quando não se sabe, sendo o não saber condição necessária para aprender, é esperado que as dificuldades apareçam. Temos,portanto, dificuldades que nos desequilibram e na busca do equilíbrio, aprendemos. O fato de estarmos mergulhados num mundo de consumo, que apregoa a perfeição, de termos pressa para tudo, de acreditarmos que as pessoas devem ser regidas pelos prazeres, de acharmos que tudo que não acontece como esperamos é doença, de termos sempre um remédio para os males existentes faz com que acreditemos que ter dificuldades para aprender é algo inconcebível.
Queremos chagar a tal grau de perfeição que pensamos que ter dificuldade é ruim, que nos faz diferentes dos outros, que nos afasta dos anormais e que nos faz acreditar que somos menos.Esquecemos que é a dificuldade que nos faz crescer, que nos obriga a pensar, que nos estimula a buscar alternativas e a encontrar soluções para os problemas que a vida nos impõe.
Atualmente, temos percebido dois movimentos decorrentes das dificuldades para aprender: um deles que protege demais o sujeito que vive a dificuldade e outro que o exclui completamente das rodas consideradas normais. Tanto um quanto outro apresentam resultados muito semelhantes: o primeiro não acredita que o sujeito possa desenvolver suas possibilidades  e, por isso, protege-o para evitar embates nos quais o sujeito possa se dar conta de que não sabe; o segundo afasta o sujeito por acreditar que ele não será capaz de acompanhar seus colegas, anunciando que ele não sabe e nem tem chance de saber.
Protegendo ou atacando, incluindo ou excluindo, temos mandado a mensagem de que o aprendiz que apresenta dificuldades com a aprendizagem, ou dificuldades para aprender, ou ainda dificuldades de aprendizagem, tem poucas chances neste mundo do instantâneo ,consumista, individualista, que cultua a perfeição. Por que será tão difícil admitirmos algo que faz parte do desenvolvimento humano: a dificuldade?
Temos lidado com o ser humano de tal forma que ele tem ficado escondido atrás de suas dificuldades. Ouvimos as pessoas referindo-se a outras pessoas:  “O sujeito é disléxico”,” meu filho é hiperativo”, “ Minha filha é distraída”, “Meu aluno é inibido” e assim por diante.
Penso que as pessoas não são as suas dificuldades. Penso que as pessoas possuem dificuldades, apresentam dificuldades, mostram dificuldades, mas não precisam carregar um fardo de aparecerem ser o que não são. Uma criança que não sabe ler não é a sua dificuldade para ler, e sim possui dificuldades de linguagem que podem ser passageiras ou não, mas que podem ser trabalhadas na direção da mudança, ao passo que ser disléxico resulta em um título difícil de ser modificado. É como se a pessoa não tivesse a chance de, mesmo apresentando um quadro de dificuldades de linguagem, superar obstáculos e tornar-se um escritor, por exemplo. O mesmo que acontece com outros quadros, e percebo que, quando umas criança recebe um “título”, mesmo que ela esteja superando-o, a escola quando se refere a ela, em outros momentos históricos, lembrando que um dia ela distraiu-se, um dia ela bateu em um amigo, um dia ela agitou-se...
Na minha experiência, tenho percebido que, anos mais tarde, algumas escolas ainda lembra o motivo que fez com que elas pedissem o atendimento psicopedagógico para uma determinada criança, como se o fato tivesse acontecido no dia anterior, independente da permanência do sintoma inicial.
As vezes, surpreendo-me dizendo: “Mas ele ainda faz isto?” E somente aí a professora dá-se conta de que ela está falando de um menino real, não daquele que está estigmatizado em sua mente. O mesmo acontece com os pais. Por mais controlado que possa estar o quadro, muitas vezes os pais temem se decepcionar e, por isso, ficam sempre esperando o surto ou qualquer que seja o aspecto que considerem negativo e acreditam possa aparecer no comportamento do filho.
Se conseguirmos considerar a dificuldade como parte integrante da aprendizagem, será muito mais fácil lidarmos com ela. Independente se a pessoa apresenta um quadro de dificuldade orgânica, emocional, social, patológico ou não, a dificuldade deve ser encarada como elemento próprio do desenvolvimento daquele sujeito.
Todos poderemos aprender, apesar de nossas dificuldades; sem elas, certamente não cresceríamos.Uma criança de dez anos, por exemplo, que não está alfabetizada, apresenta esse dado que precisa ser enfrentado em seu processo de aprender. De nada adianta considerarmos sua dificuldade de leitura como uma entidade à parte, pois isso torna sua aprendizagem mais difícil e mais inatingível.
Hoje, conversava com uma criança de seis anos que me dizia: “Eu não sei ler e nem escrever, por isso você nunca pode me pedir que faça isso”. Nessa frase, a criança diz que ela colocou sua dificuldade em outro plano, no qual ela acredita que nunca será mexida. Como essa criança poderá aprender se ela acredita que nunca aprenderá; se a professora acredita que ela não consegue aprender; se a mãe acredita que ela precisa é ser feliz e, se não aprender, não tem importância? Se, ao menos, alguém acreditasse nas suas possibilidades, no tempo que é necessário para que a alfabetização aconteça no processo de maturação a partir da interação, no fato de que crianças de seis anos, às vezes, não aprendem com seis anos, mas podem aprender com sete anos, essa criança estaria protegida de um grande fardo chamado incapacidade.
Essas reflexões podem nos auxiliar a encontrar um caminho para uma Educação para a Diversidade que valorize os indivíduos, mas também considere o grupo, a coletividade. O aprender acontece dentro de cada um de nós, mas é fruto da interação com o espaço coletivo. Se todos aprendêssemos a conhecer nossas possibilidades e nossas limitações, isso poderia nos aproximar muito mais da realidade, aquela que supõe que, para aprender, é preciso não saber e que não saber, muitas vezes, faz com que tenhamos dificuldades maiores ou menores, mas que tais dificuldades, certamente, não somos nós.
(Laura Monte Serrat Barbosa) Pedagoga, psicopedagoga, mestre em Educação.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A CONCEPÇÃO DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM NA ATUALIDADE



A CONCEPÇÃO DA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM NA ATUALIDADE

Laura Monte Serrat Barbosa*
Estamos vivendo num mundo multifacetado, ao mesmo tempo em que globalizado; instantâneo em alguns aspectos e moroso em outros; que provoca o consumo desenfreado e que se consome por consumir demais ou por não poder consumir o mínimo necessário para manter a dignidade; descartável na relação com os objetos e afetos, ao mesmo tempo em que conservador de princípios já ultrapassados, com dificuldades para efetivar as mudanças. Diante das contradições existentes, temos a possibilidade de escolher somente um dos pólos da contradição para valorizar, ou considerar a dimensão dialética para superá-la.

Destas possibilidades decorrem diferentes compreensões de mundo, de pessoa, de educação, de aprendizagem e de dificuldade de aprendizagem. Temos, portanto, distintas formas de conceber as dificuldades de aprendizagem e de lidar com elas coexistindo no cotidiano. Aqueles que optam por analisar o mundo numa relação de causa e efeito podem entender a dificuldade de aprendizagem como algo oposto à aprendizagem e, portanto, como elemento que precisa ser adequado, recuperado, curado, protegido ou eliminado. Se trouxermos de volta as oposições que apresentamos no início do texto, podemos pensar que a visão multifacetada, que se opõe à globalizada, faz com que entendamos a importância de cada faceta, sua individualidade, sua especificidade; já a visão globalizada destaca a importância do todo, do que é comum a este todo, do que é esperado nas etapas da vida, nas circunstâncias semelhantes e no enfrentamento dos conflitos.

Ao pensarmos a dificuldade de aprendizagem numa visão multifacetada, podemos compreender o aprendiz e suas dificuldades, acompanhar seu ritmo, permitir que desenvolva suas facilidades e oferecer-lhe o tempo de que necessita para aprender. As várias facetas do seu desenvolvimento são consideradas, e a dificuldade não é supervalorizada nem para discriminá-lo, nem para desenvolvê-lo.

Por outro lado, a visão globalizada possibilita uma outra interpretação. A valorização do todo, das semelhanças, e do aspecto geral faz saltar aos nossos olhos aquilo que é diferente e, por isso, temos a necessidade de deixar igual o diferente. A dificuldade de aprendizagem é logo percebida e precisa ser dizimada, eliminada e, para tal, não se economizam esforços. Classes especiais, programas de reforço escolar, contra-turnos, consultórios de especialistas, medicamentos, receitas prontas para lidar com problemas específicos foram as saídas encontradas pelo ser humano, ao longo da história, para conseguir conviver com as diferenças. Como é difícil admitirmos que, embora sejamos iguais, da mesma espécie humana, somos diferentes como pessoas, como profissionais e como partes de uma determinada cultura.

No que se refere à oposição instantaneidade e morosidade, podemos perguntar: por que as soluções de alguns problemas humanos não podem surgir com a mesma rapidez com a qual se atualiza a informática? O mundo do instantâneo espera que as crianças amadureçam bem antes do esperado em outras épocas. Crianças de nove anos, por exemplo, já são consideradas mocinhas para brincar de bonecas; crianças de três anos são ridicularizadas ao fazerem de conta que a colher é um avião; pais e mães não brincam com seus filhos por sentirem que sua missão é promover o crescimento e não os infantilizar através de jogos e brincadeiras que não tenham a intenção educativa.

O apelo é ficar adulto logo; é usar salto alto aos dois anos de idade; é saber contar, operar, ler e escrever, de preferência, aos quatro anos; é dirigir veículos urbanos e rurais desde muito cedo; é escolher seus representantes políticos já aos 16 anos; é engravidar aos 13 anos; e é morrer, muitas vezes, aos 22 anos.

Ter filhos gênios é o sonho de consumo das famílias que integram a instantaneidade no seu ritmo de vida. Crianças bem estimuladas são vistas como superdotadas e aceleradas na sua escolaridade. Os filhos transformam-se em verdadeiros executivos e não aprendem a brincar, a utilizar o tempo livre sem lição, sem “Kumon”, sem a competição da natação e sem a pressa de ter que ficar pronto porque já está na hora.

Desta forma, a dificuldade de aprendizagem, numa visão instantânea de aprendizagem, é a falta de precocidade dos aprendizes. Se, aos quatro anos, a criança não sabe ler, muitos pais e muitas escolas preocupam-se e buscam o especialista; se com sete anos a criança troca letras, ou espelha, o alerta vermelho dispara, e a “dislexia” passa a ser um fantasma a pairar sobre o seu desenvolvimento. O ritmo é, muitas vezes, tão intenso que as crianças, e mesmo os adolescentes, fazem sintomas físicos como úlcera, estresse, enxaqueca, alergias e outros.

Por certo, a instantaneidade do mundo e toda a tecnologia que já desenvolvemos ajudam a acelerar aprendizagens, e os aprendizes aprendem cada vez mais cedo. Porém, considerar portador de dificuldade de aprendizagem alguém que não teve acesso à determinada experiência e, por isso, ainda não identifica seu nome aos quatro anos, por exemplo, é descabido; rapidamente faz com que a gente transforme o mundo num grande hospital.

Por outro lado, a morosidade para transformar e ou para superar princípios historicamente ultrapassados imprime na visão de aprendizagem e de dificuldade de aprendizagem outros matizes e tem como consequência ações distinta da aceleração constante.

Embora o mundo questione as escolas que ensinam através de aulas expositivas o tempo todo, ainda não conseguimos romper com este conceito de “dar aulas”. Toda a instantaneidade do mundo não dá conta de agilizar esta mudança, tão necessária, nos quadros de ensino/aprendizagem existentes. Além das metodologias, outros princípios que já deveriam estar transformados, como a avaliação, por exemplo, ainda constituem uma pedra no sapato de educadores e educadoras. A escolha dos conteúdos a serem trabalhados ainda é um pesadelo para muitos. Segue-se a proposta curricular? Parte-se dos fenômenos naturais e sociais que acontecem? Atende-se os interesses dos alunos? Quais os conhecimentos historicamente construídos que são importantes de serem trabalhados na escola?

Acreditamos que existe uma certa morosidade na área da Educação Escolar que a afasta cada vez mais da roda viva, que gira cada vez mais rápido. Por um lado, isto é bom, pois se a escola tiver um outro ritmo pode manter ainda viva a capacidade de reflexão sobre os acontecimentos e os conhecimentos; por outro lado, este descompasso pode gerar um afastamento do interesse do aprendiz que aprende com tanta rapidez e facilidade nas situações extra-escolares.

A escola que não se disponibiliza mudar ações e concepções, que morosamente caminha em direção ao novo tem a visão de que aprender é reter na memória conhecimentos, recitar a cartilha do professor, como nas cantilenas recitadas muitos anos antes de Cristo. Reproduzir é a palavra de ordem para, no pretenso final da linha, passar no vestibular.

Dificuldade de aprendizagem, no entanto, está ligada à falta de memória, de atenção, de concentração e de reprodução. Não importa o quanto a criança saiba do assunto por outras vias, se não consegue escrever sobre ele, se sua letra é feia, se não lembra do nome estranho de um osso, se não consegue ficar sentada durante duas horas seguidas, independente de sua idade, ela tem problemas e precisa ser rapidamente encaminhada e medicada.

A idéia é, ainda, a de que crianças que aprendem tiram notas ótimas, sabem o conteúdo na ponta da língua, são caprichosas, têm letra bonita e comportam-se de forma adequada. Tudo o que fugir a este padrão milenar de aprendiz é considerado desvio e, portanto, precisa de um tratamento, de preferência fora da escola.

Outra contradição a que nos referimos é a questão do consumo e do não consumo, do consumir e do ser consumido. Conceitos e ações decorrentes do mundo capitalista chegam também a intervir no processo de aprendizagem e na concepção de dificuldade de aprendizagem. O produto a ser consumido, no nosso caso, é o conhecimento; por isto, empresas precisam apressar-se e produzir belas embalagens que contenham o conhecimento a ser consumido, de forma atraente e resumida.

Vender conhecimento passou a ser um excelente negócio na atualidade e é preciso quem o consuma. Comprar apostila, mesmo que ela não seja utilizada na íntegra, é uma proposta das escolas, para os pais. Os pais consomem apostilas ou livros didáticos, fabricados em séries, globalizadores de opiniões; as escolas menores consomem materiais produzidos pelas escolas maiores, como se estivessem adotando uma metodologia comum, expressas nas placas que ostentam em suas fachadas; os alunos consomem o conhecimento acompanhado de muitas fotos, cores e bastante resumido; consomem também conhecimentos recortados do original e sem a indicação adequada.

O ciclo do consumo faz com que os conhecimentos originais, a história do saber na humanidade, as culturas locais de todo o mundo, as discussões e reflexões sobre assuntos atuais e fenômenos sociais que nos inquietam fiquem obnubilados. Já vi muitos professores que gostariam de trabalhar um determinado conteúdo, emergente na sociedade, e não o fazem por não estar previsto no material do aluno. Sua opção de não trabalhar o referido conteúdo é devido à impossibilidade de vencer o que está previsto no material, de ter que deixar em branco algumas folhas que não foram trabalhadas e de dar uma justificativa que seja aceita pelos pais e mães.

Portanto, a visão de aprendizagem fica atrelada a um determinado produto e não pode desviar-se dele, nem para conhecer outros saberes que não foram selecionados, mas que possibilitariam aprendizagens significativas e importantes para a formação do aprendiz. Conhecer, no entanto, supõe a experimentação para que se tenha uma intimidade e adquira-se uma noção sobre algo. Remete-nos ao movimento de provar, mexer, pensar, refletir. Consumir significa fazer uso para a subsistência, gastar despender, extinguir algo que existe. Consumir o conhecimento, portanto, remete-nos apenas à praticidade de um determinado conhecimento e à rapidez com que ele passa pela vida do aprendiz, já que o movimento não leva ao desenvolvimento, e sim ao final, ao extermínio. Estuda-se para passar de ano e não para saber, aprender ou conhecer.

Neste enfoque, a dificuldade de aprendizagem está ligada à capacidade criadora, à curiosidade, à coragem de ir além do material e de negar o mesmo para fazer algo que não está previsto. Se, por exemplo, estiver previsto escrever alguma coisa sobre o que foi lido e o aprendiz preferir desenhar, isto é visto como um problema, uma incapacidade de adaptação, dificuldade de atenção ou rebeldia. A receita precisa ser seguida tal qual está concebida no manual; caso contrário, precisaremos da ajuda de um especialista.

Muitas crianças e muitos adolescentes não conseguem submeter-se a um só tipo de estímulo e não conseguem interessar-se por uma apostila ou por um livro didático apenas. É preciso permitir que eles entrem e saiam das folhas dos materiais, que eles relacionem o que aprendem com a vida, com a mídia, com o que conhecem, e não simplesmente consumam algo para poder responder corretamente. Se insistirmos com este tipo de ensino, vamos acabar por medicar as últimas mentes que apresentam a capacidade de brilhar, de se interessar, de ter curiosidade, de levantar hipóteses e de pesquisar. A doença confunde-se com a saúde, e os laboratórios provocam o consumo de remédios para que as pessoas acalmem-se e consumam o conhecimento sem muito questionar.

Esta mentalidade, decorrente da idéia de consumo, remete-nos também à idéia do descartável, já que consumir é gastar, despender, extinguir o que existe. Consome-se e joga-se fora.

Quando esta premissa está relacionada aos objetos, livramo-nos do entulho logo após o prazer que um determinado consumo proporciona e, em seguida, entulhamos algum local do planeta com objetos que não podem ser reciclados, reutilizados e re-consumidos; quando descartamos afetos, ficamos vazios logo após o consumo que aquele afeto proporcionou e entulhamos algum lugar, do nosso mundo interior, de afetos que não puderam ser reciclados e que volta e meia poderão nos incomodar; quando descartamos conhecimentos, da mesma forma ficamos vazios após um consumo exagerado. Há alunos que antes do vestibular estudam tanto, consomem tanto conhecimento, que logo após são obrigados a descartálos, já que a maior parte não é assimilada pelos esquemas de aprendizagem e nem acomodada para promover o real saber.

Este mecanismo do descartável é comparável com a bulimia, um distúrbio alimentar que faz com que o sujeito consuma alimentos de forma exagerada e depois provoque o vômito antes que esses alimentos sejam assimilados pelo organismo e traduzam-se em excesso de peso. Ora, se descartar passa a ser visto como a forma ideal de aprendizagem terá dificuldades de aprendizagem aquele que não se dispõe ao descarte, que gosta de permanecer com suas aprendizagens, que fica no conhecido e não gosta de enfrentar novas situações, principalmente porque já experimentou a dificuldade que é desfazer-se daquilo que conseguiu adquirir.

O oposto do descarte, no entanto, é o excesso de apego. O sujeito consome e não consegue desfazer-se do que consumiu; ao invés de entulhar o planeta, entulha seu próprio ambiente, não consegue jogar nada fora. Não se desfaz de afetos que incomodam, de objetos que atravancam e de conhecimentos inúteis.

A aprendizagem é vista como a absorção de todos os conhecimentos passados, sem prever a possibilidade de transformação; de todas as posições existentes frente a um determinado conflito, sem prever a possibilidade de síntese; não é vista como resultado de um movimento dialético, e sim como manutenção do antigo, sem prever que a entrada do novo promova uma outra concepção do que seja dificuldade de aprender.

Crianças e jovens que não conseguem valorizar o conhecido, que têm curtos espaços de atenção e que descartam com facilidade o que consomem são considerados doentes, hiperativos, portadores de distúrbios de atenção e de tantos outros problemas que estão ligados à incapacidade de permanecer no passado.

Neste sentido, sempre que valorizamos apenas um pólo de uma contradição, corremos o risco de transformarmos as supostas dificuldades de aprendizagens em quadros patológicos e, dentro da escola, nascem alguns desejos inconscientes: um primeiro é o de mandar todos os doentes para o hospital, já que a escola não possui o conhecimento e os remédios necessários; um segundo é o de transformar a escola num grande hospital, no qual cada doente terá uma medicação específica e será assistido 24 horas por dia para poder comportar-se como é previsto no polo oposto.

Pensar e agir dialeticamente, superando a contradição, é o desafio deste século. A aprendizagem na atualidade supõe opostos e, portanto, temos de considerar aspectos gerais e específicos, ligados à instantaneidade e à morosidade, ao consumo e ao não consumo, ao descartável e ao apego, ao saber e ao não saber, ao trabalho e ao lazer, e tantos outros.

Aprender e apresentar dificuldades com a aprendizagem fazem parte da mesma unidade dialética; é possível resolver impasses desta ordem dentro da própria escola, sem transformá-la em um grande hospital ou em casa de recuperação.

Se existirem seleções dinâmicas de conteúdos, que possam relacionar-se ao mundo atual; se existirem metodologias que deixem espaços para o trabalho grupal, para a discussão, para o exercício da curiosidade e para a reflexão; se existirem formas de avaliação que promovam o aprender e deixem de ser instrumentos de controle, certamente poderemos encarar as dificuldades com a aprendizagem como parte do processo, como elemento de reflexão e como uma outra forma de ver uma determinada situação.

Deixaremos de perceber os sujeitos como portadores de uma dificuldade de aprendizagem e os veremos como pessoas que apresentam dificuldades naquele momento, com aquela aprendizagem. Neste sentido, é muito mais fácil encontrarmos a solução na própria sala de aula. Isto é diferente de encarar a dificuldade como uma doença instalada dentro de um sujeito e, para a desinstalação, não nos considerarmos capazes, com conhecimentos necessários, como “simples” professor, professora, pai e mãe que somos.

O excesso de especialidades foi partindo o sujeito em muitos pedaços, e a escola acabou por acreditar que ela só sabe dar conta da cognição de seus alunos e suas alunas.

Com isso, não queremos dizer que não existem dificuldades de aprendizagem que fazem parte da história biológica e social das pessoas; o que afirmamos é que a escola pode lidar com estas e com a maioria das outras dificuldades de aprendizagem, sem precisar desesperar-se, sem delegar para o outro o seu papel.

Uma criança de sete anos que troca letras na escrita não precisa ser encaminhada para uma psicopedagoga ou um psicopedagogo, sem antes existir um trabalho (com toda a turma) de esclarecimento, de reflexão, de percepção das diferenças e das semelhanças de sons e formas gráficas em nossa difícil língua portuguesa; sem antes existir o exercício da concepção (por parte do professor ou da professora) de que a aprendizagem é processual, não é instantânea e as falhas fazem parte deste processo.

Uma criança que apresenta dificuldades de coordenação motora não precisa ser encaminhada para o contra-turno para exercitar sua coordenação; precisa escrever muito, na sala de aula e em casa, para desenvolver esta habilidade.

Um jovem com dificuldades de leitura precisa ler e pode receber várias funções, na sala de aula, para que possa desenvolver-se. Entretanto, só conseguimos realizar um trabalho na sala de aula se concebermos o trabalho de ensinar/aprender de forma diferenciada, e não somente no modelo expositivo/reprodutivo. Neste modelo de escola, é muito difícil trabalhar com a dificuldade de aprendizagem na sala de aula sem expor o aprendiz e sem ridicularizá-lo ou dar-lhe o rótulo de coitadinho, de não sabedor, de errado etc.

A escola capaz de trabalhar com as dificuldades no cotidiano é aquela que consegue descentrar da figura do professor o momento do aprender; é aquela que sabe trabalhar com grupos; que sabe promover o interdiscurso; que sabe compreender que os erros e as falhas fazem parte de um processo e que existem para serem superados, considerando-se tanto as especificidades dos indivíduos, quanto as exigências curriculares e as características grupais.



Referências
BARBOSA, L. M. S. O projeto de trabalho: uma forma de atuação psicopedagógica. Curitiba: Mont, 1998.

BARBOSA, L. M. S. A Psicopedagogia no âmbito da instituição escolar. Curitiba:
Expoente, 2001.

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